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Foto do escritorAninha

Quando o pinhão da vovó se transformou num café da manhã diferente, cheio de histórias pra contar!


Acordei sentindo um cheiro diferente. Era outono e já fazia um frio danado naquela manhã de sábado em Floripa. Eu estava enrolada feito uma cobra em minhas cobertas e com preguiça de sair da cama. Mas aquele “perfume” de comidinha gostosa era tão bom que me fez levantar, vestir um casaco, e correr para a cozinha.


Lá estava mamãe, debruçada sobre a mesa e pronta para começar a descascar os pinhões que ela havia cozinhado. Fui logo dizendo, antes mesmo de desejar “bom dia”:


- Mãe, que café da manhã diferente! É o pinhão da vovó? Aquele que colhemos juntas no pinheiral? Posso te ajudar a descascar? – falei, animada.


- Bom dia Aninha, quanta animação! Sim... este é o pinhão do Vale do Rio Pardo, aquele que colhemos pertinho da casa da vovó e do vovô. E é claro que você pode me ajudar! – respondeu mamãe, sorrindo.



Então, ela me alcançou o descascador de madeira e, com cuidado, apoiei o pinhão e apertei a alavanca fazendo um cortezinho nele. Depois, o abri e tirei a sua casca para comer: que delícia! Ficamos ali, repetindo esta tarefa várias vezes enquanto conversávamos um pouquinho.


Fonte: https://www.amazon.com.br/DESCASCADOR-MANUAL-M%C3%81QUINA-DESCASCAR-PINH%C3%95ES/dp/B079243D1Y



Fui lembrando das histórias da infância da minha mãe, memórias que ela sempre compartilha comigo durante as viagens que fazemos para visitar meus avós, na cidade de Santa Cruz no Rio Grande do Sul. São coisas que eu adoro ouvir: os costumes daquela época, as lendas das florestas de araucária, e o quanto mamãe gostava de andar pelos pampas quando tinha a minha idade para encontrar pinhas de araucárias e colher pinhões em seu cestinho.


E cada vez que ela conta, eu descubro alguma coisa nova e sinto ainda mais vontade de fazer o que ela fazia.

E é por isso que eu adoro o outono, pois é nesta época que a gente costuma viajar para a casa dos meus avós. Por lá os ventos fortes desta estação derrubam as pinhas das araucárias apinhadas de pinhão, e a gente consegue colher um montão deles fácil, fácil no chão.


Fonte: https://viajandoem321.com/colhendo-pinhao-na-serra/



Vocês acreditam que toda a vez que a gente faz esta viajem eu fico concentrada em busca das primeiras araucárias que surgem pela janela do carro? E assim que as vejo, peço para o papai parar o carro para procurarmos pinhões no chão, como a mamãe fazia. Eu adoro esta aventura!


Fonte: acervo pessoal



Continuávamos a nossa conversa, enquanto eu comia sem parar. Foi quando fiz uma pausa e disse:


- Eu até pareço uma gralha-azul em época de outono né mamãe? Uma comilona de pinhões!

Soltando uma gargalhada, ela respondeu:


- Do jeito que você gosta de pinhão... só te falta a cabeça preta e as penas azuis Aninha.


Então lembrei de uma lenda, a Lenda de Curiaçu e a Gralha Azul, e pedi para a mamãe me contar. Busquei o livro e nos sentamos no tapete da sala, envolvidas num cobertor quentinho e acompanhadas de uma cumbuca de pinhões.


Fonte: acervo pessoal


Nossa imaginação viajou para Paiquerê, uma região de campos sobre as serras paranaenses onde, há muitos e muitos anos, habitavam tribos indígenas. E, entre uma mordida e outra, ouvia atentamente a leitura da mamãe:


“Nunca houve em todo o Paiquerê, um guerreiro como Curiaçu. Era mais alto e mais forte que todos. Os seus companheiros o admiravam, os seus inimigos o temiam. Na pesca, Curiaçu era incomparável. A sua pontaria era tão precisa que, mesmo à longa distância, flechava o peixe que escolhia. Era, também, excelente caçador. Nunca deixava faltar alimento para a sua tribo. Mas gostava de caçar sozinho. Seus passos eram mais largos na caminhada, seus movimentos mais ligeiros e, apesar do seu tamanho, mais silenciosos. Certa vez, embrenhou-se na mata seguindo os rastros de uma onça-pintada. Estava tomado de um pressentimento. Sentia que alguma coisa o levava na mesma direção em que ia a fera. O pressentimento virou certeza, ao avistar, no chão, as marcas dos pés delicados de uma moça. Era Guacira, filha do pajé de uma tribo inimiga, que havia saído à procura de ervas curativas. A moça só percebeu a presença da onça, quando a distância já era pequena demais para que pudesse fugir. Guacira sentiu que seu fim havia chegado. A onça correu em sua direção. Mas, no meio do caminho, surgiu Curiaçu. A corda do arco, já esticada, soltou uma flecha ligeira que atingiu mortalmente a fera. Guacira desfaleceu de susto. Curiaçu tomou-a em seus braços e a levou para a beira do rio. Pegou um pouco d´água e começou a molhar o belo rosto da moça para despertá-la. Um guerreiro da tribo de Guacira, vendo de longe aquela cena, pensou que Curiaçu estava raptando a filha do pajé e deu o alarme. Vieram vários guerreiros com suas armas. Cercaram Curiaçu e passaram a atirar flechas na sua direção. O guerreiro lutou bravamente. Rompeu o cerco e fugiu em direção à mata virgem, levando Guacira consigo. Mas o corpo de Curiaçu, da cintura para cima, estava bastante crivado de flechas e ele começou a fraquejar. O bravo guerreiro, sentindo que não teria forças para resistir, pediu a Guacira que ocultasse o seu corpo. Não queria que os seus inimigos o encontrassem. A jovem índia encontrou uma fenda no chão, escondeu Curiaçu e o cobriu com folhas. Voltou atrás no caminho percorrido, cobriu com terra as gotas de sangue de Curiaçu e apagou os rastros. Depois que o perigo havia passado, Guacira tentou encontrar o local onde havia escondido o corpo de Curiaçu. Queria usar todo o segredo das ervas que aprendera com seu pai, o pajé, para curá-lo. Mas ela nunca mais achou o lugar onde havia enterrado Curiaçu. Algum tempo depois, no Paiquerê, surgiu uma árvore enorme, de tronco marrom-escuro como o dorso de um índio. Os galhos dessa árvore pareciam flechas cravadas no tronco. Foi assim que surgiu a Araucária, o Pinheiro do Paraná. Tupã transformou Guacira em gralha-azul. Desde então, toda vez que os pinhões caem no chão, a gralha-azul pensa que são gotas de sangue do bravo guerreiro e trata de os enterrar. E não os encontra mais, porque Tupã deu a ela, como castigo, uma memória fraca por causa de Guacira que nunca mais achou o corpo de Curiaçu. Dos pinhões enterrados pela gralha-azul, foram nascendo mais e mais árvores, formando imensas florestas de Araucárias (GUEDES, H. – Curiaçu e a Gralha Azul: a lenda das araucárias. 2012).



Desta vez, quando mamãe terminou a leitura, algumas perguntas vieram na minha cabeça:


- Mamãe, tenho uma pergunta: eu lembro daquela viajem que a gente fez pra Curitiba, e no caminho tinham muitas araucárias. Mas Curitiba fica no estado do Paraná, não é mesmo? E quando a gente vai passear aqui na serra catarinense também encontramos um montão delas, assim como na cidade do vovô e da vovó. Então, será que Curiaçu e Guacira andaram pelas florestas do Rio Grande do Sul e de Santa Catarina também? - perguntei curiosa


- É verdade Aninha! Você está certa! A floresta de araucárias faz parte do bioma chamado Mata Atlântica. E, hoje em dia, é mais comum encontrarmos este tipo de árvore principalmente no sul do Brasil, por isso é que elas estão presentes nos três estados desta região: Paraná, Santa Catarina e Rio Grande do Sul. – explicou mamãe.


Fonte: https://conexaoplaneta.com.br/blog/projeto-de-lei-ameaca-a-sobrevivencia-da-ja-vulneravel-floresta-com-araucaria-do-brasil/



Fiz uma pequena pausa, pensei mais um pouco, e continuei:


- Esta árvore é muito diferente né mamãe, e a gente quase não a vê aqui em Floripa. As suas folhas são pontudas! Lembra daquele dia em que eu fui colher pinhões e espetei meu dedo num galho de araucária que estava no chão? Eu chorei um pouquinho... eles realmente parecem pontas de flechas...


Fonte: https://lojahusqvarna.com/blog/fichas/araucaria/



... e a árvore era tão alta que, ao olhar para cima, eu fiquei tonta! Eu também me lembro do som que ouvi na mata naquele dia, era um canto alto e forte. Então, a vovó me mostrou o pássaro gralha-azul que estava cantando lá no alto da araucária. Mamãe, na verdade, eu acho que esta lenda não é lenda não, é uma história real!!!! – disse, assustada.


Neste instante a mamãe segurou o meu rosto com as mãos, olhou bem dentro dos meus olhinhos, e disse:


- Eu também acho Aninha! A natureza é sabia e as lendas fazem parte da sua sabedoria.


E continuou:


- Sempre que chego pertinho de uma araucária me sinto tão pequenininha, e fico pensando em como ela é incrível! Ela é tão resistente, pode viver até 500 anos, e sobrevive ao frio sem nunca perder os seus galhos. Uma verdadeira guerreira, não acha? Como é bom podermos ter a oportunidade de ver esta árvore de perto e apreciar as suas sementes, como estão fazendo agora. Você sabia que ela é uma espécie que está ameaçada de extinção?




Uau! Eu fiquei surpresa com aquelas informações. Nunca imaginei que as araucárias pudessem desaparecer!


E mamãe continuou:


- Sabe filha, eu admiro muito a gralha-azul. Esta ave plantadora que ao enterrar os pinhões, com a intenção de se alimentar deles mais tarde, acaba se esquecendo de onde os escondeu faz um trabalho incrível! Depois de um tempo, cada pinhão que a gralha não encontrou irá brotar e se transformar em um novo pinheiro! Na verdade, sem ela saber, está ajudando a manter as florestas de araucárias em pé! Esta avezinha nos ensina a importância da cooperação entre as espécies para o equilibro ambiental e a preservação as florestas...


Fonte: https://www.todamateria.com.br/lenda-gralha-azul/



... a natureza não é maravilhosa? Ela carrega uma sabedoria que devemos aprender a respeitar. Assim como as lendas e as histórias que a gente ouve dos nossos avós, e das pessoas que encontramos durante as nossas viagens. E é por isso que devemos respeitar cada uma delas, mesmo que algumas vezes a gente não entenda muito bem o que elas querem dizer.


Enquanto mamãe falava eu olhava pela janela pensativa. Ela tinha razão, algumas vezes eu não conseguia entender muito bem o que os adultos diziam, mas gostava de ouvir suas histórias mesmo assim. Então, mamãe chamou a minha atenção dizendo:


- Aliás, eu tenho uma novidade para te contar: na próxima semana iremos fazer outra viagem, e desta vez a aventura será aqui na cidade de Lages, aqui na serra catarinense. Nesta época a cidade realiza a Festa do Pinhão, e eu tenho certeza de que será uma ótima oportunidade de conhecermos lugares e pessoas incríveis! O que você acha?


Eu reagi dando um pulo no colo da minha mãe. Afinal, eu adoro novas aventuras e se tiver pinhão, melhor ainda! Terminamos o nosso café da manhã ouvindo uma música que eu gosto muito: “pinha, pinheiro, pinhão”, da cantora Rosy Greca. Ela parece uma brincadeira de trava-línguas e, se você ainda não conhece, vale a penar ouvir. Tenho certeza de que irá se divertir!



Agora, eu quero contar para você algumas coisas interessantes que eu descobri: hoje, a floresta de Araucária, também conhecida como Mata dos Pinhais, é típica da região sul do Brasil e se forma em áreas mais altas, frias e úmidas. Na Serra Catarinense, Urupema é conhecida como o “lar das araucárias” e como a cidade mais fria do Brasil. A Araucária, também conhecida como Pinheiro-do-Paraná, pode alcançar 30 metros de altura, seu tronco pode medir 2 metros e meio de diâmetro, e pode viver até 500 anos. De longe conseguimos identificar este tipo de árvore por causa de sua copa, que lembra o desenho de uma taça, e pelo formato agulhado de suas folhas – uma adaptação que tem o objetivo de evitar a sua perda de água para o ambiente. O pinhão, semente que se desenvolve dentro da pinha da araucária, é um alimento muito saudável, pois possui fibras que ajudam na nossa digestão, além de proteínas e minerais. Algumas curiosidades: você sabia que os índios-guarani chamam a araucária de Curi e que daí surgiu a inspiração para o nome da cidade de Curitiba, que significa “terra das araucárias ou cidade com muitos pinhões”? Também achei legal descobrir que a pinha não é um fruto, na verdade a araucária é uma planta gimnosperma e, apesar de estar carregada de sementes, produz pinha. Em pensar que na natureza uma araucária pode levar de 12 a 15 anos para produzir a sua pinha, e que cada pinha pode produzir, em média, mais de 100 pinhões! O incrível é que ao caírem no chão os pinhões germinam, dando origem a novas árvores. E quem ajuda a enterrar estas sementes é a gralha-azul, um pássaro que vivem em bandos, que tem um canto estridente e a curiosa característica de ser previdente - guardando sementes de pinheiro para se alimentar mais tarde. E foi este hábito que a fez ser considerada a disseminadora das araucárias e a plantadora oficial do pinhão, fato importante para a preservação das araucárias e que inspirou a origem de suas lendas. Legal, não é? Ah! E aqui está uma outra versão da lenda da gralha-azul diz que: há muito tempo o Criador pediu ajuda aos pássaros da região sul para espalharem as sementes de araucárias e dar origem a uma floresta grande de pinheiros. Mas, a maioria dos pássaros ignorou o pedido, com exceção da gralha parda que se mostrou pronta para a tarefa. Ao receber a semente do Criador, ela o enterrou na terra e repetiu esta atitude várias vezes. Com o passar do tempo a floresta se formou e, como recompensa por sua dedicação, Deus deu a ela um “manto azul” como a cor do céu. Este presente divino a transformou na única ave a ter uma plumagem completamente azul.



Agora, deixo a dica de uma receitinha fácil e deliciosa para você fazer junto com a sua família - a farofa de pinhão: você irá precisar de 2 colheres de sopa de manteiga sem sal, 1 cebola média picada, 2 dentes de alho picados, 1 xícara de pinhão cozido e sem casca, 1 e 1/4 xícara de farinha de mandioca crua, 2 colheres (sopa) de salsinha picada, sal e pimenta-do-reino branca moída na hora a gosto. Para fazer: numa frigideira derreta a manteiga e frite a cebola até ficar transparente; junte o alho, o pinhão e a farinha e, mexendo sempre, deixe fritar até a farinha dourar; tempere com sal e pimenta a gosto e retire do fogo; finalize com a salsinha picada e, depois, é só servir e aproveitar.



Esta e outras histórias inspiraram a nossa campanha de outono-inverno: “serra catarinense e a potência das araucárias”, que tem por objetivo enaltecer traços da cultura da Serra Catarinense por meio da criação e divulgação de uma linha de produtos e produções textuais inspirados em suas paisagens, culinária, lendas e, especialmente, na árvore-símbolo de sua floresta. Você pode acessar o conteúdo desta linda campanha no site da Casa de Ana Artesanatos (www.casadeanaartesanatos.com.br) ou, então, pelo perfil do instagram (@casadeanaartesanatos).


E se você quiser saber mais a respeito de outras histórias de Santa Catarina, navegue pelo blog.


Um beijo carinhoso e até a próxima história!

Aninha.






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