Fonte: https://napracinha.com.br/2017/11/abayomi/
Olá! Eu sou a Ana, mãe de Aninha. E hoje eu vim aqui para compartilhar um momento muito especial que vivi com a minha filha, daqueles que queremos guardar para sempre no coração!
Eu e Aninha adoramos brincar juntas e sempre fazemos valer a pena! Enquanto brincamos, também aprendemos uma com a outra ou com a ajuda de alguma história que nos chega. E, desta vez, foram as Abayomis que nos ensinaram com a sua lenda cheia de significados.
Era um domingo chuvoso, e enquanto eu mexia o feijão na panela o meu pensamento voou. Lembrei da minha infância e da minha mãe, pois foi com ela que aprendi a cozinhar. Quando a vovó da Aninha decidia fazer feijão para o almoço, ela não usava panela de pressão e, por isso, começava a cozinhá-lo bem cedo. Por um longo tempo ela ficava ali, mexendo o feijão com uma colher de pau até ele ficar macio. A casa se enchia daquele cheirinho gostoso de feijão preto e eu acordava sentindo o perfume.
Esta é uma memória da minha infância que eu guardo com todo o carinho, pois toda a vez que faço feijão para a Aninha, eu me lembro da minha mãe. E foi assim que eu tive uma ideia: vendo os grãozinhos negros dos feijões lembrei da boneca Abayomi e pensei que aquele seria o dia perfeito para contar uma nova história para a Aninha e, quem sabe, deixar uma linda memória para ela.
Assim que almoçamos, a convidei para brincarmos em seu quarto. No chão, espalhei algumas tiras de malha preta, pedaços de outros tecidos coloridos e uma tesoura.
Esperta como sempre, ela logo perguntou:
- Mamãe, o que vamos criar?
Esta foi a "deixa" para que eu começasse a revelar a potência daquela lenda:
- “Aninha, quero te contar algo, que fala um pouquinho a respeito da história de uma boneca muito especial: a Abayomi”.
Então eu comecei:
- “Conta a lenda que a boneca Abayomi surgiu do fato de que, durante a travessia do oceano atlântico dentro de um navio negreiro, mulheres negras africanas confeccionavam bonecas para seus filhos utilizando pedaços de tecido que rasgavam das próprias saias. Quando os navios ancoravam no porto, era comum que as famílias fossem separadas e, por este motivo, a mãe entregava a boneca que havia confeccionado durante a viajem para o seu filho, e esta passava a ser a única recordação material dela para ele.
Fonte: https://br.pinterest.com/pin/501166264764964867/
Fonte: https://www.history.com/this-day-in-history/first-african-slave-ship-arrives-jamestown-colony
A boneca era bem pequenininha, cabia na palma da mão da criança. E antes de desembarcar do navio, a mãe pedia para o filho escondê-la entre os fios de seus cabelos para que ninguém pudesse tirá-la dele. Dizem que o filho escravo guardava a bonequinha durante a vida toda para que, um dia, pudesse ir em busca de sua mãe e reconhecê-la pela cor ou estampa do tecido da saia que ela usou para confeccionar a boneca.
Depois de toda esta estória filha, você imagina o que significa Abayomi?”
- Já sei mamãe! Abayomi significa amor de mãe! – disse Aninha.
“Você chegou bem perto! A palavra Abayomié é de origem Iorubá, um idioma pertence a uma das maiores etnias do continente africano, das regiões da Nigéria, Benin, Tongo e Costa do Marfim. E por lá, Abayomi é um nome escolhido com frequência para uma criança que acabou de nascer, pois ele significa “encontro precioso”, e representa algo que traz felicidade ou, ainda, algo feito de mim para você. Então você tem razão Aninha, pois uma mãe dá o que ela tem de mais precioso ao seu filho: o seu amor! ”
Aninha ficou me ouvindo enquanto sorria, sem perguntar mais nada. A impressão que eu tive foi que as palavras tocaram lá no fundo do seu coração, e isto bastava. O significado estava claro e era potente! Devagarzinho, fomos tocando nas tiras de tecido e, curiosa, Aninha me perguntou:
- Mãe, o que faremos com isso?
Respondi com uma outra pergunta:
- “Filha, que tal se agora nós criássemos as nossas Abayomis?”
- “Mãe! A gente consegue? ” – Aninha perguntou sorrindo.
- “A gente consegue”! – Respondi animada.
Foi quando Aninha teve uma ideia:
- “Mamãe, que tal a gente fazer um combinado? Eu faço uma boneca para você e você faz uma para mim. Assim, a gente dá o que tem de melhor uma para a outra! ”
- “Eu acho perfeito, filha! ” – Respondi feliz.
Naquele instante eu segurei as lagrimas, confesso. É impressionante o poder que um momento pode ter na vida de uma criança. Foi incrível perceber a assimilação e a sensibilidade transbordando na fala de minha filha.
E, assim, iniciamos a confecção de nossas bonecas: segurando uma das tiras de malha negra cortada na base no formato de calça, fizemos nascer a cabeça a partir do primeiro nó. Depois, outros dois nós em cada ponta do tecido fizeram surgir as pernas. Com a tira menor, envolvemos o centro do tecido (corpo) com outro nó e, depois, mais dois em cada ponta para fazer nascer os braços.
Fonte: acervo pessoal
Por fim, usando retalhos de tecidos coloridos, fizemos buraquinhos no centro e vestimos as nossas bonecas, enfeitando seus cabelos com laços de outros tecidos estampados.
Fonte: acervo pessoal
Segurando as nossas Abayomis nas mãos, quis que a Aninha soubesse a verdadeira história desta boneca tão especial, e a sua relação com a arte popular brasileira.
Expliquei a ela que aqui no Brasil a história das bonecas começou com a artista Waldilena Martins, conhecida como Lena. Uma artesã maranhense, filha de uma costureira, que desde criança brincava com os retalhos de tecido de sua mãe. E este contato com os tecidos despertava a imaginação de Lena, que produzia brinquedos e histórias a partir de suas criações. Fonte:https://www.conexaolusofona.org/bonecas-abayomi-por-que-a-origem-romantizada-dura-mais/
Partilhei que Lena cresceu e decidiu se tornar educadora, mas também defensora de uma causa muito importante: o movimento das mulheres negras no Brasil. Ou seja, tralhava para reunir pessoas que desejassem agir para um mesmo propósito: informar e buscar solidariedade e cooperação para a valorização da cultura da mulher negra e afro no país.
Contei para a Aninha que Lena queria encontrar na arte popular algo que a ajudasse a alcançar o seu objetivo. Foi quando, ao resgatar as memórias de sua infância e inspirada nas costuras de sua mãe, Lena decidiu criar uma boneca de pano artesanal. A fez simples e a partir de sobras de tecidos, dando a ideia de que o fim, na verdade, pode ser um novo começo. E que aquelas sobras que iriam para o lixo, poderiam se transformar em algo muito útil e especial.
Chamei a atenção da Aninha para o fato de Lena ter criado as bonecas à mão, com apenas algumas tiras de tecido e sem o uso de colas ou costuras, apenas com nós. E, assim, ela deu vida a uma boneca negra, sem rosto, mas cheia de cor. Uma obra de arte que foi feita para brincar, mas também para sentir, pensar e transformar!
Nas oficinas que fazia em comunidades do Rio de Janeiro, contei que Lena ensinava as mulheres a produzir as bonecas e que acabou fundando uma associação chamada Coop Abayomi na década de 80, que hoje não existe mais. Da associação participaram outras mulheres vindas de vários movimentos sociais e culturais, para quem ela repassou o ofício da criação das Abayomis. Por meio da arte, a instituição propôs o fortalecimento da autoestima da mulher e o reconhecimento da identidade afro-brasileira.
Antes de continuar, fui interrompida pelo espirito prático de Aninha:
- “Mamãe, esta história está um pouco difícil de entender. Mas eu acho que o que você quis dizer é que foi a Lena quem criou a Abayomi, e que ela é uma obra de arte que também faz parte da nossa cultura popular. E que as bonequinhas dela ajudaram muitas outras mulheres, não é isso? ”
Fonte: https://www.conexaolusofona.org/bonecas-abayomi-por-que-a-origem-romantizada-dura-mais/
- “Minha filha, você realmente é muito esperta! É isso mesmo! Para terminar, quero que entenda que muitos estudiosos da história do Brasil dizem que não há fatos que comprovem que as mães escravas faziam as bonequinhas para os seus filhos dentro dos navios negreiros. Lenda ou verdade, a mensagem que a bonequinha Abayomi quer dos deixar é linda, não é mesmo?” - Finalizei olhando bem no fundo dos olhos de Aninha.
Terminamos aquela tarde de criações e aprendizados nos presenteando com as bonecas que confeccionamos, e num abraço apertado dizemos um “eu te amo” carregado de amor e emoção.
Ali, naquele instante, tive a certeza de que havíamos criado não somente duas bonecas Abayomis, mas, principalmente, uma memória única para nós, um encontro precioso que duraria para sempre!
Fonte: acervo pessoal
Que boneca é essa?
Sou Abayomi! E carrego história e propósito! Represento a cor da determinação, da emoção, da resistência, da luta e da história da mulher negra no Brasil.
Fonte: acervo pessoal
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