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A Menina e o Mar do Campeche

  • Foto do escritor: Aninha
    Aninha
  • 28 de jun.
  • 10 min de leitura

Atualizado: há 12 minutos

Uma história sobre redes invisíveis que ligam o passado ao futuro.

Era uma manhã de céu limpo e vento sul soprando de leve, na praia do Campeche. Eu e Aninha estávamos sentadas de frente para o mar, com os pés enterrados na areia, e o olhar curioso observando as gaivotas. Eu, quieta, deixava os pensamentos vagarem entre o som das ondas e as memórias que aquele lugar sempre me despertava.

— “Mamãe, por que o mar parece estar mais agitado hoje?” — perguntou ela.

— “Talvez ele esteja ansioso... Hoje é uma data muito especial, filha. 29 de junho, é o Dia do Pescador — um momento para lembrar e agradecer a todos que trabalham duro para pescar e cuidar do nosso mar. "


Ela me olhou com os olhos brilhando, esperando por mais.


É também o dia de São Pedro minha filha, o apóstolo pescador. Escolhido como o líder dos apóstolos, foi o primeiro papa da Igreja Católica. Daí vem as crendices populares de que São Pedro ganhou as chaves do céu por ter sido escolhido como líder e, quando chove muito, dizemos que está lavando o céu.

Por isso foi escolhida esta data para reverenciar não apenas um ofício, mas um modo de vida inteiro.


—“Quer que eu te conte uma história real? Aconteceu bem aqui, há muitos anos, quando a Casa de Ana ainda estava começando, quando eu estava aprendendo o que era viver nesse bairro tão cheio de história.”


Aninha assentiu com entusiasmo. E eu comecei a lembrar...

Naquele dia, também era 29 de junho, só que de 2013. Madrugava, e chovia sem parar. Mesmo com a chuva, eu e minha amiga Dodô acordamos cedo, com vontade de conhecer de perto a vida num rancho de pesca . Ainda estava escuro quando saímos com nosso chimarrão quente na garrafa e um frio na barriga de emoção, com dúvidas se o Rancho do seu Getúlio estaria aberto.

Quando chegamos à praia, a chuva já tinha parado e o sol já estava saindo no horizonte. Fomos direto ao Rancho de Pesca do Seu Getúlio Manoel Inácio. Um riozinho havia se formado entre o restaurante do Zeca e o Rancho, e um dos pescadores que ali já estava, prontamente fez uma passagem em madeira para que pudéssemos atravessar. Chegamos na pequena cabana de madeira, que tinha infinitas histórias para contar.

 

O Rancho, construído em 1951, tinha cheiro de sal, madeira e histórias antigas. Era conhecido como Rancho Manoel Rafael, em homenagem ao pai de Getúlio, o Seu Deca. Ali, naquele espaço simples e sagrado, vivi um dos dias mais marcantes da minha vida.


Logo que chegamos, fomos recebidas com carinho. Seu Emilson pegou a minha câmera e quis tirar fotos nossas, brincando que “hoje o clique era dele!" Rapidamente ele buscou algumas cadeiras e ali sentamos, à porta do Rancho. Aos poucos os pescadores iam chegando.

Seu João pegou uma cadeira e sem pressa, começou a fazer a rede.

Outros jogavam dominó. Saguis curiosos vinham em busca de pão. Tudo tinha um ritmo tranquilo, quase musical.

E então chegou ele: Seu Getúlio. Com seu jeito tranquilo e olhos que pareciam ver além do horizonte, ele sabia tudo sobre pescar e amava contar histórias sobre o Campeche e seus amigos pescadores.


Logo nos ofereceu café, que acabava de ficar pronto na cozinha, e foi assim que nos chamou para dentro do Rancho.

Tomamos o café e voltamos a sentar novamente em frente ao Rancho. Com sua sabedoria, Getúlio começou a conversa dizendo: “Um pescador que se preza nunca senta de costas para o mar,  não por superstição, mas por atenção. Porque o mar fala — e quem vive dele precisa saber ouvir.”


Ele nos contou sobre a pesca, sobre a tradição que estava se perdendo, sobre os jovens que já não queriam aprender a arte de pescar. Mas havia algo mais, algo que transformava aquele homem em guardião de um tesouro invisível. Seu Getúlio contou sobre seu pai, Seu Deca, e um amigo muito especial dele: Antoine de Saint-Exupéry. Saint-Exupéry era um famoso escritor e aviador francês que escreveu o livro “O Pequeno Príncipe”, amado por crianças e adultos do mundo todo. Durante suas viagens para Florianópolis nos anos 1920, Saint-Exupéry ficava hospedado no Campeche e fez amizade com Seu Deca. Eles pescavam juntos, caçavam, cozinhavam peixe com beiju, e Seu Deca tocava sanfona para ele. Foi uma amizade improvável, feita de gestos simples e muito carinho.


Getúlio passou mais de vinte anos pesquisando para comprovar essa história. Escreveu um livro, buscou documentos, fotografias, cartas. A cada que descobria ele unia ainda mais o seu rancho ao mundo mágico de O Pequeno Príncipe. Até hoje, a principal avenida do bairro se chama Avenida Pequeno Príncipe, em homenagem a essa conexão entre céu e mar, sonho e realidade.

Naquele dia, olhando para o mar ao lado de Getúlio, entendi que aquele homem não era só um pescador. Era um mestre, um músico, um contador de histórias. Alguém que transformava o Rancho num lugar de cultura, música, cinema, encontros. Um espaço que hoje, mesmo após sua partida em 2018, continua vivo, pulsando como o coração do Campeche.

Terminei de contar a história e fiquei em silêncio. Aninha olhava para o mar, emocionada.


De repente, ouço a voz dela:

— “Mamãe! Olha na onda, olha na onda! São peixinhos prateados!” Aninha gritou com euforia.  Depois me perguntou:

— “Será que é por isso que os surfistas não podem surfar, mamãe?” Curiosa que só!


Expliquei que, durante a temporada de pesca da tainha, o surf é proibido para não atrapalhar os pescadores. É como se déssemos uma pausa no surf para deixar os peixes e os pescadores trabalharem em paz. Ficamos mais um tempo ali, admirando aquele cardume que surfava no quebrar das ondas do mar do Campeche. Era lindo!


Enquanto isso, o barco colorido se movimentava em meia-lua. Seis pescadores remavam, sendo guiados por um outro que comandava a direção da canoa, enquanto os remeiros se esforçavam com determinação para vencer as ondas.

De repente, outros dois (o redeiro e o chumbeiro) começaram a lançar a rede na água para cercar o cardume. Ouvíamos os gritos do comandante:


“Rema! Rema, Miguel! Larga a rede! Vem vindo o lanço!”


Pescadores corriam para a beira da praia. Um cardume de tainhas se aproximava! Era como se o mar tivesse esperado minha história terminar para escrever a sua.


Num instante, estávamos lá, no meio da areia, no meio da vida real acontecendo. A canoa centenária de garapuvu dançava sobre as ondas. Um remeiro gritava como maestro de orquestra. A rede era lançada com força e fé.


“Mamãe! Olha, tem milhares de peixinhos prateados na onda!” — gritou Aninha, e os olhos dela brilhavam como se estivessem vendo magia.

Então a canoa começou a fazer a curva para voltar para a praia, fechando o cerco e deixando o rastro da rede dentro do mar em forma de meia-lua. Os pescadores desceram da canoa e uma grande mobilização começou para ajudar a segurar a rede; eram mais de 30 pessoas puxando as suas pontas na praia, entre pescadores, amigos e pessoas que passavam por ali. Era o “lanço”.


Sem hesitar, Aninha segurou firme nas cordas e,  com os pés bem enterrados na areia, começou a puxar com toda força. Ela estava ajudando a fazer história!

— “É pesado, mas eu não vou largar!” — disse ela.


Fui atrás dela. Puxamos juntas.


O mar cantava:“chuá, chuá…”


A rede respondia:


“splash, splash…”E o último som, o mais alto de todos:


— “Aeeeeeeeeee! Valeu, raça!!!!” — gritava a multidão


  Na beira do mar, peixes dançavam. Aninha tentava pegar um com a mão, rindo.


Um pescador se aproximou, lhe entregou uma tainha e disse com o sotaque manezinho que eu tanto amo:


“Taí, istimada. Dax um banho puxando rede, não tem?”

Para a nossa surpresa, descobrimos que quem participa ajudando, mesmo que de forma simbólica, tem a oportunidade de levar uma tainha para casa. Após contarem todos os peixes, os pescadores partilham uma quantidade de peixes com cada pessoa que ajudou.


Ela abraçou o peixe como se fosse um prêmio.


Naquele domingo de junho, a esperança de uma pesca abundante havia se tornado realidade, e nós havíamos ganhado o presente de participar desse momento especial para a comunidade dos pescadores do Campeche.


Saímos felizes com o nosso peixe prateado na mão.  Fomos comer açaí que a Aninha tanto gosta, e relembrar tudo que vivenciamos naquele dia que com certeza não sairá da memória nem do coração.

 Mensagem Final


A pesca artesanal da tainha não é só um ofício. É uma tradição cultural muito importante, que passa de geração em geração. É um elo entre o passado e o futuro, construído com mãos calejadas, olhos atentos ao mar e corações cheios de esperança.


Essa tradição muito antiga começou com os primeiros habitantes do Brasil, os indígenas, que sabiam como pescar usando canoas feitas de um só tronco, conhecidas como canoas de um pau só. Séculos depois, os açorianos vindos de Portugal, adaptaram essas práticas, incorporando seus próprios métodos e ampliando o alcance da pesca.Hoje, essa forma de pescar é reconhecida oficialmente como uma tradição muito importante e especial em Santa Catarina, que faz parte da cultura e deve ser cuidada e preservada.


Que o rancho de Seu Getúlio continue sendo um farol, que as crianças continuem puxando rede e que as histórias sigam sendo contadas.

 O que essa história ensina?


A pesca artesanal da tainha é mais do que pegar peixes. É uma tradição que vem dos nossos avós e bisavós. É trabalho, é cultura, é união.


👉 É uma tradição cultural muito importante de Santa Catarina

👉 É uma festa que envolve famílias inteiras

👉 É uma escola de vida para quem vive perto do mar


E graças a pessoas como Seu Getúlio, essa história continua viva.

 Um presente do mar para quem guarda a memória


O projeto Aninha pelo Brasil, que viaja contando histórias através de bonecos, também acredita no poder das memórias vivas.


Por isso, no Dia do Pescador, 29 de junho de 2025, voltei a um lugar muito especial: o Rancho de Seu Getúlio, no Campeche.


Mas não fui sozinha…Levei comigo um boneco feito à mão, com pano, arte e memória. Um boneco inspirado no Seu Getúlio, um pescador cheio de histórias, música e coragem — que ensinou muito sobre o mar e sobre cuidar daquilo que se ama.


Essa homenagem é para todos os pescadores…Mas especialmente para ele — Seu Getúlio.

Guardião de um legado que vive até hoje no Campeche, entre as paredes do Rancho que ainda carrega sua alma.


-“Obrigado, São Getúlio. Por tudo.”


 Abertura da safra: fé, festa e tradição no Campeche


A temporada oficial da pesca da tainha em Florianópolis tem início no dia 1º de maio, quando também se celebra o Dia Estadual da Abertura da Safra da Tainha. Entre os dias 30 de abril e 3 de maio, comunidades pesqueiras organizam missas, cortejos e celebrações que marcam o início de um ciclo essencial para a economia e cultura locais.


No Campeche, a abertura da safra no Rancho do seu Getúlio se tornou um dos eventos mais simbólicos da ilha. A história começou em 2006, quando Getúlio Manoel Inácio, realizou uma pequena missa no rancho e pediu proteção aos pescadores. O gesto simples transformou-se numa  festa tradicional que reúne moradores, autoridades, músicos e devotos do mar.


O evento cresceu em importância e, em 2019, teve papel decisivo na conquista do reconhecimento oficial dessa tradição cultural muito importante no Campeche. Hoje, o Rancho de Pesca Sociocultural Getúlio Manoel Inácio segue como referência viva da herança açoriana, promovendo cultura, memória e resistência.


A família do seu Getúlio continua cuidando da festa e mantendo o rancho como um lugar onde todos se sentem parte da comunidade e podem aprender sobre suas raízes. A abertura da safra é mais que o início da pesca: é um ritual comunitário que reforça laços, honra a ancestralidade e afirma o valor da cultura do mar.

Curiosidades da ilha


Aqui falamos um dialeto próprio, conhecido como “manezês”. Vou te contar algumas expressões que os manezinhos usam:

"Coza max quirida" quer dizer que algo é bonito ou legal; "Dax um banho" é como dizer “você arrasa”; "És um monstro!"  é um elogio para alguém que é muito bom em algo; "Ixtepô"  é usado para falar de alguém que incomoda, mas é uma brincadeira; "Istimada" quer dizer pessoa querida; "Mofas com a pomba na balaia" indica que alguém não vai conseguir o que quer; "Não tem?" é como perguntar “não é?” ou “sabe?”; "O lhó lhó"é uma expressão de surpresa.


Em 2024, a safra atingiu o extraordinário número de 445 mil tainhas capturadas apenas pela pesca artesanal, um verdadeiro feito.

 

Quer saber mais sobre o rancho do seu Getúlio? Visite o endereço https://institutogetuliomanoelinacio.org

Está na ilha entre maio e julho?

Acompanhe essa experiência imperdível na praia.

 

Quer conhecer mais histórias? Visite o nosso blog:  https://www.aninhapelobrasil.com.br/blog.

 

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E tem mais....


"Vamos testar seus conhecimentos sobre a pesca da tainha no Campeche! Leia as afirmações abaixo e marque Verdadeiro (V) ou Falso (F):"



  1. A pesca da tainha é uma tradição que começou recentemente, há poucos anos.

    •  Verdadeiro

    •  Falso

  2. O Dia do Pescador é celebrado em 29 de junho.

    •  Verdadeiro

    •  Falso

  3. Antoine de Saint-Exupéry era um aviador e escritor francês que se tornou amigo de Seu Deca.

    •  Verdadeiro

    •  Falso

  4. Durante a temporada de pesca da tainha, o surf é permitido na praia do Campeche.

    •  Verdadeiro

    •  Falso

  5. Seu Getúlio escreveu um livro sobre a amizade de seu pai com Saint-Exupéry e a história da pesca no Campeche.

    •  Verdadeiro

    •  Falso

  6. A principal avenida do bairro Campeche se chama Avenida Pequeno Príncipe em homenagem à amizade entre Seu Deca e Saint-Exupéry.

    •  Verdadeiro

    •  Falso

  7. A pesca artesanal da tainha é reconhecida como uma tradição cultural muito importante de Santa Catarina.

    •  Verdadeiro

    •  Falso

  8. As crianças que ajudam na pesca podem levar uma tainha para casa.

    •  Verdadeiro

    •  Falso

  9. A canoa usada na pesca é chamada de "canoa de um pau só" porque é feita de vários pedaços de madeira.

    •  Verdadeiro

    •  Falso

  10. Em 2024, foram capturadas mais de 400 mil tainhas pela pesca artesanal.

    •  Verdadeiro

    •  Falso


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Idealizadora: Ana Paula Dreher / Texto escrito e revisado por:  Ana Paula Dreher e Samanta Taube / Ilustrações: Ana Paula Dreher

 
 
 

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