Se tem uma coisa que eu amo nesta vida é música, e foi por isso que eu insisti para começar a praticar capoeira. O som do berimbau é contagiante, e conseguir tocá-lo foi um desafio para mim. E aquele gingado? Como é gostoso estar na roda e jogar capoeira com meus amigos.
Mas não é só de berimbau que eu gosto não, me dá um pandeiro, um violão, um tambor, uma ocarina, um par de pratos ou até duas tampas de panela e lá vou eu: dar um jeito de “arrancar” algum som do instrumento.
Como mamãe me conhece muito bem, sempre que descobre algum evento com banda de música ela me leva para assistir. E foi assim que eu conheci a Banda da Lapa.
Era mês de junho e fomos passar o domingo no bairro Ribeirão da Ilha, em Florianópolis. Ao chegar lá, percebi que as ruas estavam enfeitadas com fitas coloridas e bandeiras que tinham o desenho de uma pomba branca. Era época da Festa do Divino, uma comemoração tradicional que acontece pelas ruas das comunidades da cidade entre os meses de junho à setembro. E se tem festa, tem música!
De repente ouvimos um som que, devagarzinho, começava a aumentar. Fiquei curiosa e perguntei para mamãe que som era aquele, e ela explicou:
- É o som de um cortejo Aninha – disse sorrindo.
- Cortejo? O que é isso? – perguntei curiosa.
- É parecido com um desfile, quando um grupo de pessoas caminha pelas ruas para homenagear alguém ou alguma coisa. Aqui, eles se reuniram para andarem em direção à igreja onde irá acontecer uma reza, que é um dos momentos da Festa do Divino. Durante o cortejo, as pessoas cantam canções que fazem parte da Festa e a banda as acompanha. Ouça este som Aninha, não é fantástico? Espere só e você verá de perto quantos instrumentos diferentes são tocados – explicou a mamãe.
Fotos: acervo pessoal
Eu estava eufórica! E quanto mais o som aumentava, mais animada eu ficava. Foi quando avistei aquele montão de músicos, todos vestidos iguais e cada um tocando o seu instrumento: era uma banda de verdade! Eles foram andando e tocando pelas ruas do Ribeirão, até chegarem na igreja da pracinha.
Foto: acervo pessoal
Enquanto a banda tocava, mamãe me contava mais sobre ela.
- Filha, você acredita que ao todo a banda é composta por 32 pessoas? E para produzir este som bonito que você está ouvindo, eles se dividem entre instrumentos de sopro, teclado, bateria e percussão. E durante o carnaval, eles continuam alegrando as ruas do Ribeirão e de outros bairros com o bloco do Zé Pereira. Ele realmente gostam do que fazem – contou mamãe.
E eu percebi isso, as pessoas estavam felizes. E estavam vestidas de um jeito diferente, uma roupa bem bonita: calças compridas, um casaco escuro, e uma camisa azul, e eu fiquei pensando, porque será?
Ficamos ali, aproveitando o som da banda. E quando ela parou de tocar eu corri em direção aos músicos, pois queria ver aqueles instrumentos dourados brilhantes de perto. Puxei a barra da calça de um dos músicos, que segura um instrumento de percussão, e fui logo perguntando:
- Ei, suas mãos não cansam não?
Sorrindo, ele me respondeu:
- Menina, quando a gente faz o que gosta, a gente só sente amor! – disse sorrindo.
E eu continuei com as minhas perguntas:
- Mas, você faz isso há quanto tempo? Você toca muuuuuito bem!
Ele deu uma gargalhada e me disse:
- Pensa!! Esta banda aqui que tu estás vendo começou há muito tempo atrás, ela já tem mais de um século de idade, ela é uma "Senhora"! Tu acreditas que ela já tem mais de 100 anos? Tem até livro que conta a história dela, com fotos antigas dos músicos aqui na freguesia do Ribeirão!
- Essa banda não cansa de tocar nunca menina! E vou te contar mais, tu acredita que o Seu Dedinha, músico que toca na Lapa há mais de 40 anos, contou pra gente que ela trocou de nome duas vezes?! Senta aqui comigo e eu vou te contar um pouquinho desta história.
Mamãe chegou pertinho de nós e ali, sentadas na escadaria da igreja matriz, ouvimos o que o músico nos contou:
- Um dia um grupo de amigos aqui do Ribeirão da Ilha quis fazer uma banda e, então, fundaram a Sociedade Musical Amantes do Progresso, mas os músicos não tinham condições financeiras e compraram instrumentos em péssimas condições. Eles precisaram de reparos e, para consertarem, usavam cera de abelha. E era tanta cera que, no fim, a banda foi chamada de Banda da Cera, e foi assim que ela começou. Mais tarde, com a ajuda da prefeitura e da comunidade, conseguimos comprar instrumentos melhores e, agora, é esta belezura que você está vendo.
Os instrumentos eram demais! Fiquei olhando o saxofone, enquanto ouvia a história, e ele brilhava feito uma estrela!!
O titio da banda continuou...
- Então, naquela época a banda da Cera começou a tocar na Festa de Nossa Senhora da Lapa e, um tempo depois, ela mudou o seu nome para banda da Sociedade Musical Nossa Senhora da Lapa e, hoje, é conhecida como Banda da Lapa.
- E porque é que a banda tem esse nome? – quis saber.
- Ah! Perguntas-te bem! É porque quando ela nasceu, nasceu no mesmo dia da santa padroeira do Ribeirão, a Nossa Senhora da Lapa.
- Santa? O que é isso? – perguntei.
- Menina, santa é alguém que viveu aqui na terra e só fez o bem e, agora, lá do céu, nos protege. Nossa Senhora da Lapa protege o Ribeirão da Ilha, por isso a gente a homenageia.
Eu fiquei ali ouvindo, ele falava de um jeito engraçado que me fazia rir. E eu queria saber mais...
- Sabe menina, a gente toca pelo cortejo, na frente da Praça da Matriz, e até na beira do mar, dentro de barco... olha, já cansei de molhar meu instrumento, meus sapatos e minha calça naquela onda que veio de repente enquanto tocava. E sabe que isso me ensinou uma coisa bem importante? Ter humildade! Saber qual é o nosso lugar ali, o mar tem o lugar dele, a gente o nosso. O mar tem o som dele, a gente o nosso. O mar tem o movimento dele, a gente o nosso. Mas quando a gente se encontra, é bonito demais! Musica é isso, musica é fé, é movimento, é natureza, é cor, é família, é amor não tem? “Copiaste” menina?
Eu achei esta história muito engraçada. Fiquei pensando como eles conseguiam tocar enquanto o barco balançava com as ondas. Que demais! Me deu uma vontade de tocar também... então, eu pedi se podia e ele me deixou e foi muito legal!
Não deu tempo do titio músico terminar a história, seus amigos da banda o chamaram pois era hora de tocar mais um pouco. Eu e mamãe ficamos ali, curtindo aquele som gostoso, e eu percebi que tinham instrumentos de diferentes formas. Mamãe me falou o nome de cada um deles: tinha flauta transversal, clarinete, trompete, saxofone, trombone, surdo, cavaco, clarone, tuba. E sabe que eu também percebi que tinha gente de todo jeito? Tinha homem, mulher, velhinhos e jovens, só não tinha criança. Então, eu fui correndo até o titio e, antes que ele começasse a tocar, perguntei:
- Tio, porque é que não tem criança na banda? Eu queria participar, eu sei tocar!
Ele deu uma gargalhada em me respondeu:
- Tu sabias que aqui na comunidade a banda dá aulas de graça para as crianças? Todos os sábados, antes do ensaio, os músicos ensinam quem quiser aprender. O tio fica feliz que tu gostas e tens interesse, porque a música deixa a gente “no mundo da lua”, a gente fica ansioso antes de se apresentar. Mostrar aquilo que a gente tem pra mostrar pro povo, o que a gente tem no coração é muita emoção, é muita alegria! Peça pra tua mãe te levar lá, vou te esperar. Quem sabe, no futuro, tu não estejas aqui no lugar do Tio?
Meu coração disparou! Eu queria muito participar e, quando eu decido alguma coisa, ninguém ne segura. Quem sabe daqui um tempo eu não compartilho algumas fotos dos meus ensaios com vocês? Esperem para ver! Até lá, vou continuar a ensaiar em casa, batucando nas panelas da minha mãe.
Um beijo carinhoso e até a próxima história!
Aninha.
Fundada, oficialmente, em 15 de agosto de 1896, a Banda da Lapa faz parte da história do Ribeirão da Ilha. Prestes a completar seus 126 anos de existência, está em processo de registro como Patrimônio Imaterial de Florianópolis. A banda conta com um Centro de Memória Musical, documentários e livros que registram a sua história e sua sede encontra-se na freguesia do Ribeirão da Ilha. Ela se faz presente em festividades comunitárias, como a tradicional festa do Divino, a Festa de Nossa Senhora da Lapa - padroeira da comunidade onde está inserida – e, também, no carnaval quando se transforma em Banda do Zé Pereira. O grupo oferece cursos de educação musical gratuitos para a comunidade. A Sociedade Musical e Recreativa Lapa possui um centro de memória online, que você acessar pelo link: http://camaraclara.org.br/memoriamusical/partituras/. Sem muitos recursos, se mantém com o auxílio de voluntários da comunidade, sócios e eventos participa, além de uma pequena colaboração do Fundo Municipal da Cultural. Aproveite para conhecer um pouco mais e incentivar a manutenção destes legado cultural e artístico. Te convido para assistir estes dois vídeos especiais, para você entender um pouco da magia deste cantinho da ilha pela voz, som e amor desta Banda linda – “o tom da cor do som”: http://camaraclara.org.br/memoriamusical/videos/
E se você quiser saber mais a respeito de outras histórias de Santa Catarina, visite um pouco mais do meu blog.
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